quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Guerra dita vida e campanha de veterano

Passado de prisioneiro e retórica sobre Iraque atraem votos em grupo que supera 70 milhões de pessoas

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A PHOENIX (ARIZONA)

Um panfleto de campanha do republicano John McCain traz na capa uma foto borrada de um soldado, que se funde à da bandeira dos EUA, sob a inscrição: "It"s hard to understand their sacrifice..." (É difícil entender o sacrifício deles). Na página interna, a continuação: "...Unless you lived it" (...A menos que você o tenha vivido).
Então um texto conta o "distinto histórico de serviços" prestados por McCain às Forças Armadas do país, os 22 anos como aviador da Marinha, as medalhas recebidas e, claro, a experiência como prisioneiro de guerra no Vietnã -a credencial definitiva para fixar no hoje pré-candidato a presidente o rótulo de herói da pátria.
A peça enumera as promessas do republicano para os militares e veteranos de guerra e, por fim, pede apoio político e financeiro para a campanha.
Filho e neto de militares e pai de outros dois -um deles estaria servindo no Iraque, algo que o senador não comenta-, McCain formou-se na Academia Naval em 1958 e continuou na ativa até 1981. No Vietnã, teve seu avião abatido, quebrou dois braços e uma perna ao cair num lago. Em mais de cinco anos como prisioneiro, ficou em solitárias e foi torturado.
Passados 35 anos da sua libertação e quase 33 anos do fim da Guerra do Vietnã, a memória militar de McCain está viva e pulsando como nunca na corrida presidencial americana, usada por seus seguidores e críticos para apoiá-lo ou rejeitá-lo.
Um dos principais defensores da Guerra do Iraque e do envio de mais soldados ao país entre os concorrentes à sucessão de George W. Bush, o republicano martela em seus discursos a cantilena de que o plano democrata para retirar as tropas significaria a "rendição".

Veteranos
A seção do Arizona do Departamento de Assuntos dos Veteranos fica num prédio moderno e imponente na região central de Phoenix. Abriga repartições como "Atendimento a paralíticos" e "Divisão dos prisioneiros de guerra".
O departamento é um órgão federal, que atende os 24,3 milhões de veteranos de guerra do país provendo-lhes serviços médicos e psicológicos, financiamentos etc. Considerando que os benefícios se estendem a suas famílias, calcula-se que 70 milhões de pessoas sejam atendidas, ou quase um quarto da população dos EUA.
Junte-se a esse contingente o 1,36 milhão de militares na ativa, e chega-se a um grupo de peso eleitoral imenso. Tradicionalmente, é para os republicanos que vão esses votos, o que deve se manter desta vez, como pôde constatar a Folha em conversas com veteranos ontem no tal prédio em Phoenix. E, como seria previsível, o veterano McCain está bem cotado.
"Voto em McCain porque ele é um veterano, tem experiência parlamentar e é conservador do ponto de vista fiscal e liberal no lado social", afirma Mark Preston, 59, soldado no Vietnã entre 1970 e 1971.
Há casos em que o corporativismo é escancarado. "Ele [McCain] sabe o que é preciso para nos ajudar. Propôs criar um cartão que nos dê acesso a qualquer hospital, não só ao dos veteranos", disse Eri González, 41, que esteve na Guerra do Golfo (1991) e na do Iraque e pensa em escrever um livro com sua história -pede uma força para lançá-lo no Brasil.
Um entrevistado revelou que votaria no republicano Ron Paul, igualmente veterano e que reclama para si a primazia no grupo. "Ele parece honesto, não mente. Gosto de ouvi-lo, e isso basta", conta Alfred Bannatt, 60, um ano de Vietnã.

Cabeça de POW
A alguns quilômetros dali, na periferia de Phoenix, um centro comercial concentra parte da comunidade vietnamita da cidade. Há o mercadinho Vien Dong, a joalheria Kim-Hoan, a sinuca Phuong Hoang e o restaurante Old Saigan.
Seja por trauma, por reserva ou por não falarem inglês, os mais velhos, que chegaram aos EUA em sua maioria depois da guerra, simplesmente se negam a dar entrevista.
Mas a segunda geração, já de americanos, não poupa McCain. "O problema não é político, é pessoal. Ele tem cabeça de POW [sigla em inglês para prisioneiro de guerra], é perturbado, vai ter raiva a vida inteira", critica Michael Lam, 24, que toca o mercadinho Vien Dog com os pais, que migraram do então Vietnã do Sul em 1976, um ano após o fim do conflito.
"Nossa família não é comunista, mas isso não muda nada. Meus pais não estão registrados para votar, mas, se estivessem, jamais votariam no McCain", diz ele. Ao seu lado, a mãe confirma, em vietnamita.
Lam, apesar de preferir Hillary, votaria em Obama. "O mundo é sexista, não está preparado para ela."

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Fonte: Folha de S. Paulo
Publicação: 6 de fevereiro 2008
Autores: Fábio Victor
Link
: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0602200802.htm

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